Odir Cunha foi jornalista, ganhou duas vezes o prêmio Esso, por suas coberturas feitas pelo Jornal da Tarde na Copa do Mundo de 1978 e nos Jogos Pan-americanos de 1979.
Atualmente, ""apenas"" escreve livros, e recentemente publicou "Sonhos mais que possíveis", com breves histórias olímpicas muitas vezes não muito circuladas nos livros sobre o assunto.
Foi editor de cinco revistas especializadas em tênis além de escrever o livro "A História do Tênis feminino brasileiro", em 1989. Ainda foi o escritor da biografia de Oscar e do livro Time dos Sonhos, a história completa do Santos Futebol Clube.
Autor de "Heróis das Américas", o livro mais completo sobre a história dos Jogos Pan-americanos publicado ano passado, o autor falou sobre o atual momento do esporte brasileiro, candidatura para os Jogos Olímpicos de 2016 e principalmente criticou a mídia brasileira que acompanhou os Jogos Olímpicos.
Ainda contou da dificuldade de se escrever um livro de esporte no Brasil " A dificuldade é quase total. Você escreve livros para meia dúzia de pessoas e é compreendido por pouca parte do público e da mídia”
Quanto ao esporte brasileiro, Odir está confiante: “Concordo que tem que haver críticas, mas temos que analisar também o que está sendo feito e acho que o esporte brasileiro nunca esteve melhor”.
Abaixo, os principais trechos da conversa...
Guilherme Costa:Você ganhou o prêmio Esso de jornalismo pela cobertura nos Jogos Olímpicos de 1979. Conte como foi essa experiência
Odir Cunha: Eu sempre gostei muito do pan, lembro do Pan de 1963 em São Paulo, depois o de 1967, de Winnipeg, eu lembro também, que vi uma revista com foto de todos medalhistas de ouro do Brasil e achei muito legal. Quando fui cobrir o Pan, achei muito legal, fui com tesão. Lá, eu vi que tinha o sonho de ganhar um prêmio Esso e senti que naquele ano havia poucas competições esportivas e sabia que poderia ganhar o prêmio. Que que nós fizemos? Uma coisa que até hoje muitos não fazem, mesmo tendo o google. Nós fomos preparados para lá, antes aprendemos sobre as modalidades, vimos as listas dos recordes pan-americanos, que não teria como saber de lá, pois não anunciavam. Ficamos 15 ou 20 dias nos preparando para cobrir o Pan. E lá era das 7h30 até 1h30 cobrindo, mas eu tava com tanta adrenalina que se precisasse não dormiria. Toda noite fazíamos a reunião de pauta e tentávamos cobrir onde haveria iminência de uma medalha para o Brasil.
GC: Você não tem vontade de voltar a ser jornalista?
OC: Eu sai da revista tênis há dois anos. Tudo é uma questão de circustância, hoje tenho 56 anos e sempre me considerei repórter mas hoje, infelizmente, o jornalismo foi para um caminho de não valorizar o repórter. Para se ganhar mais, precisa ser comentarista, então ocorre que as pessoas queimam etapas, com editores que nunca foram repórteres. Então, claro que se eu tiver uma boa proposta eu volto, mas ela nunca vai acontecer pela atual realidade do mercado. O cargo passa ser mais político que técnico. Hoje, que eu escrevo e apuro melhor , tenho melhor técnica e mais sensibilidade, tenho menos possibilidade de trabalhar numa grande empresa do que quando era iniciante. Não é todo mundo que aceita como você é.
GC: Qual é a dificuldade de escrever livros de esporte no Brasil?
OC: A dificuldade é quase total. Você escreve livros para meia dúzia de pessoas e é compreendido por pouca parte do público e da mídia. Muitas vezes nem os próprios atletas compreendem que eu tento divulgá-los. No livro do Pan, um dos atletas que tem sua foto ilustrada na capa, me ligou perguntando se ele tinha direito a receber alguma coisa. Aqui você não fica rico escrevendo só livro de esportes, aliás não dá nem para sobreviver. O livro do Pan eu demorei uns cinco anos de pesquisa, histórias, fotos e o que eu ganhei com ele não deu para pagar "15 dias" da minha existência. Esse é a realidade da literatura esportiva brasileira e com futebol não muda muito, melhora um pouco, mas não muito. É um coisa que faz porque gosta e quem sabe se você fizer vários livros, um pelo outro, te dá alguma coisa. Vou escrever sempre livros de esporte, para preservar a cultura esportiva do Brasil, porque essa história tem que ser contada se não ela vai ser esquecida. Alguns erros de informação estão sendo repetidos pela imprensa e acabam virando verdades, sendo passado para os outros.
GC: Falando da imprensa, vi seu texto no Observatório da Imprensa, criticando como a imprensa brasileira cobriu os Jogos de Pequim...(Mostrei á notícia de Thiago Pereira no JT após o nadador ter sido quarto colocado nos 200m medley, leia aqui meu comentário)
OC: Quando eu comecei no JT era separado em futebol e esporte amador. Quando fui cobrir o Pan em 1979, vimos que a imprensa da Argentina tinha comentaristas especialistas em boxe, em remo. Como nossa imprensa esportiva se desenvolveu? Continuou sem uma visão polidesportiva, com a monocultura do futebol, e quando chega numa olimpíada ou no Pan, as emissoras convidam ex-atletas para comentar, o que prejudica a nossa profissão. Está tirando lugar de gente que quer se especializar nos esportes. Não estou nem falando no meu caso, estou falando dos jovens de hoje em dia. Você pega os erros de português, são muitos, nós temos que ser tolerantes pois sabemos que eles não são jornalistas, um erro vai levando o outro e temos que engolir tudo isso.
Voltando a pergunta, está tudo ligado. Quando chegam os Jogos Pan-americanos e Olimpíadas, você vê jornalistas despreparados e que fazem uma análise futebolística de todos os esportes. No caso do Thiago Pereira, que foi quarto do mundo e campeão dos Jogos Pan-americanos, que representam um continente, que não tem a Europa, com 10 países, por baixo, de primeiro mundo, a Ásia, com Japão, Coréia e China, a Oceania com a Austrália, em que a natação é o mais popular e a imprensa quer que o Thiago, que ganhou o Pan, ganhe o ouro na olimpíada. É um absurdo. Você vê jornalistas de alto nível recorrendo no mesmo erro, pois eles sabem que estão falando algo que não é verdade, criando um sensacionalismo barato, mas fazem isso porque sabem que tem retorno, porque 80% vão concordar que o Thiago decepcionou. Esses atletas que se dedicam tanto não mereciam essas críticas injustas, eu fico de fora louco para poder falar o que penso.
GC: Uma pergunta que eu nunca achei uma resposta...As pessoas acompanham pouco os outros esportes pelo fato da mídia não divulgar, ou a mídia não divulga por que ninguém quer saber?
OC: Eu vou ser justo com a mídia. Poderia dizer que a mídia que não divulga, o que é verdade. Mas as pessoas não acompanham todos os esportes. O problema é cultural, um cara na periferia gasta muito mais em cerveja e amendoim do que gastaria levando os filhos para qualquer competição esportiva. A imprensa precisa das Ibope, né?Também é outro problema. É aquela história do ovo e da galinha, é difícil alguém começar a gostar de outros esportes se a imprensa não começar a falar. A imprensa tem que abrir mão um pouco do espaço para transmitir o esporte mas os pais devem se obrigar à pelo menos darem aos filhos a oportunidade que eles não tiveram. Ninguém gosta do que não conhece e esta é uma frase verdadeira. Por que o Brasil conseguiu jogar no Maracanã lotado, com quase 100.000 pessoas, contra a União Soviética no vôlei? Por que a rede bandeirantes conseguiu articular de uma maneira com que levasse esse número de pessoas.
GC: E você acredita que tem alguma forma de isso acontecer com algum esporte hoje em dia?
OC: Tem, é só querer. É só sentar e resolver. Isso aconteceu quando eu era repórter do Jornal da Tarde e eu podia me pautar e foi a época que eu cobri o mundial de clubes no Club Sírio. Passei a ter o costume de divulgar o basquete no Jornal e eu pedi uma pesquisa perguntando pelas ruas se as pessoas gostariam de ver o basquete na TV e o resultado foi fantástico, mais de 80% assistiria. Em seguida, numa reunião com um membro da CBB, disse que pretenderia dar mais atenção para o basquete, mas as pessoas não compreendiam as regras dos campeonatos, que era uma bagunça. Eles facilitaram o regulamento e nós começamos a divulgar. Hoje, se juntar dirigentes e jornalistas e resolvem dar uma força para um esporte, sem nenhum interesse comercial. O problema é que hoje se fizermos isso, vão pensar o que a gente está ganhando com isso.
GC: A Globo, por exemplo, mesmo não sendo uma grande parceira do esporte nacional, já manda nos horários. Outro dia, a corrida da Stock Car foi atrasada em meia hora pois a Rede estava transmitindo a final de um torneio de Volei de Praia. As finais da superliga masculina e feminina de vôlei não são mais em play-offs e sim apenas um jogo...
OC: Não vou falar que a Globo foi um desserviço ao esporte nacional, mas a Globo prejudicou bastante em diversos aspectos. Até o futebol é refém da televisão, antes as TVs não precisavam pagar para transmitir e hoje uma das maiores rendas dos clubes são as cotas da TV. Isso é ruim porque reduziu as rendas dos estádios e a TV, como dita as normas, ,faz com que o futebol se torne mais e mais dependente dela. Se os clubes soubessem que não vendendo cotas para Globo teriam o dobro ou o triplo de lucro com sua torcida, provavelmente não venderiam ou colocariam algumas cláusulas. Mas os clubes têm medo de não ganhar o dinheiro da TV.
GC: Eu gosto muito do Juca Kfouri como comentarista de futebol, mas quando ele se atreve a falar de outro esporte é complicado, por que muita gente que lê somente ele para se informar de outros esportes, acaba se desinformando...
OC: Não tem muito o que falar, só assino embaixo. Ele queimou etapas, é um cara inteligente, mas é um burocrata do jornalismo esportivo. Ele tem atitudes políticas, ele se preocupa com a estrutura do esporte, o que é importante, mas só isso é um saco. Ano passado, ele criticou o nível das provas dos Jogos Pan-americanos. Para o Brasil talvez não seja mesmo um evento tão importante como é para Paraguai, Bolívia, que nunca ganharam uma medalha de ouro, mas ainda assim continua sendo importante. O Juca, com o objetivo de desancar os organizadores do Pan, só se concentrou na política. Para desmerecer os Jogos, ele disse que na história do evento apenas um recorde mundial tinha sido batido e somente em 1967 foram sete. Aí eu mandei essas informações para o blog dele e ele corrigiu, mas corrigiu errado. Eu fui tentando corrigir e vi que chegou uma hora que ele se encheu e parou de responder, por que ele não queria corrigir. Aí meu conceito dele como jornalista foi abalado. Para o jornalista, nada pode ser mais importante do que a informação. Manipulá-la para que obedeça nossos interesses também não é nada ético. Nós estamos corremos o risco de ter o fenômeno da opinião se sobrepondo aos fatos. Eu fico cinco anos pesquisando a fundo o evento e o cara lá no blog, que tem muitos mais leitores do que eu, só se preocupa em brochar uma competição que poderia ser melhor, poderia ter feito com que mais pessoas praticassem o esporte. Não é porque você tem um blog, que leva seu nome, que você pode escrever o que quiser nele. Informações falsas não valem, nunca valem.
GC: Muitos da imprensa estão falando " Como que pode o Brasil pagar tantos milhões em uma medalha", dividindo o dinheiro investido por 15, número de pódios do Brasil...
OC: Um absurdo, isso pega porque nosso povo não gosta de esporte". Tem 5% que gostam, analisam e sabe do que se trata, agora o resto é levado pela massa do jeito que o jornalista quiser. As pessoas não lêem nada, não se interessam por nada, as pessoas estão confiando muito no Google, ninguém vai à fundo na informação, fica tudo no superficial.
GC: E sobre a eleição no COB, que foi meio polêmica,há pouco tempo?
OC: Não acompanhei por completo, mas posso dar minha opinião. O Nuzman é um cara inteligente, que vem sendo importante para o esporte nacional, que tem conseguido puxar a sardinha para o esporte nacional. Algumas pessoas contestam os métodos dele, mas ele fez sucesso como dirigente esportivo. Nós que estamos do lado de cá e não podemos checar informações, tem de pensar se estão criticando o Nuzman, por que os jornalistas não provam, como há indícios, dele estar recebendo uma grana. Por que não fazer uma grande matéria investigativa, ou na ESPN, ou no Sportv ou na CBN?
GC: Independente do trabalho, ele está se eternizando no poder do esporte nacional, já que chegará em 2012 aos 17 anos de poder...
OC: Aí que tá...Será que se o Nuzman sair vai entrar alguém melhor? Alguém com mais determinação? Será que por mais críticas que João Havelange mereça, ele não foi importante para FIFA? Quando ele começou a entidade era um escritório na Suíça e hoje em dia a FIFA tem mais filiados que a ONU. Prefiro não julgar, ele trouxe um Pan-americano para o Brasil, está tentando trazer uma olimpíada, é evidente que o esporte melhorou com ele. Concordo que tem que haver críticas, mas temos que analisar também o que está sendo feito e acho que o esporte brasileiro nunca esteve melhor.
Concordo com tudo que foi dito. Pricipalmente, no que se refere ao Nuzman, será que se ele sair teremos outro melhor que ele?
ResponderExcluirOlha, poucas vezes vi uma entrevista sobre o universo olímpico - e a imprensa que o rodeia - tão esclarecedora quanto esta.
ResponderExcluirMuito boa mesmo...